A Faculdade de Direito convida a comunidade acadêmica para assistir a peça “Banho de Sol”, da Zula Cia de Teatro.O evento é destinado ao público interno da faculdade.
Saiba um pouco do roteiro, estória da montagem da peça e as atrizes
Construir juntas…
Esta é a proposta de “Banho de sol”. Quatro atrizes – três delas mães, uma ainda estava amamentando quando deu aulas para as detentas, outra estava grávida e ganhou o seu filho uma semana depois de concluído o projeto na penitenciária – constroem juntas e com a colaboração de algumas mulheres da plateia o banho de sol de cada apresentação. É um jogo que se estabelece e que traz para cena, colocando em conflito, identidades, subjetividades e corporeidades femininas que clamam por terem suas histórias compartilhadas…
“Banho de sol” surpreende e é potencializado como grande trabalho por muitos motivos, desde a qualidade da equipe envolvida na produção e realização do espetáculo; a instalação/exposição, concebida por Alexandre Tavera, que é “realizada” antes de as atrizes e os espectadores adentrarem o teatro – há que se ressaltar o espaço convival que é experienciado pelas atrizes e público presente na antessala do teatro –; às excelentes performances das atrizes Gláucia Vandeverld, Kelly Crifer, Mariana Maioline e Talita Braga, que conseguem envolver a plateia em cada cena criada pelo roteiro proposto. De modo que nos levam a vivenciar vinte e seis cenas/ações do banho de sol diário.
Outro aspecto que deve ser evidenciado é função sociopolítica do espetáculo que conclama as mulheres para dividirem as histórias que serão vivenciadas no palco. Assim, a dramaturgia proposta fala com e para as mulheres, e não que os homens não sejam bem vindos naquele espaço; não obstante, todos devem estar cientes de seus (nossos) lugares de privilégios dentro do contexto patriarcal em que ainda vivemos. É muito evidente que, ideologicamente, a proposta e as cenas são direcionadas às mulheres, pois as atrizes deixam bem claro quando se dirigem ao público feminino presente dizendo: “Sejam todas muito bem vindas, bem vindas, bem vindas!”.
Ainda discutindo sobre os lugares de privilégios, torna-se imprescindível também delinear que as atrizes têm consciência de suas prerrogativas e condições de preeminência enquanto mulheres brancas, socialmente, bem sucedidas. Só o fato de estarem num presídio feminino na função de professoras já as deixam em posição de uma “suposta hierarquia”. Neste sentido, colocar por terra as divisões binárias sociais traz à encenação um desafio a mais. Daí, o poder das cenas que buscam tratar das distintas formas de invisibilidades vivenciadas por aquelas mulheres dentro do sistema carcerário.
E é por tudo isso que cada cena/movimento se agranda diante dos olhares da plateia quando as “histórias” de diferentes mulheres são compartilhadas: aquela que mulher que era tão rica que talvez chegasse a comandar o estado inteiro ou o país inteiro, aquela que matou o seu bebê por ouvir vozes, aquela que se encontrou com uma das atrizes com quem tinha trabalhado num passado recente; mulheres pobres em sua maioria, abandonadas pelos maridos, parceiros, amantes, que não são perdoadas pelas famílias, parentes, pela sociedade…
Em cena, tal como o viés apontado por Kelly na tela, a sororidade, a potência do encontro. A troca de afetos. O incentivo a continuar, a escuta, o olhar, o dar-se as mãos. E se a produção audiovisual trabalha sobre o veio da ficção, a teatral encontra calço no cotidiano de centenas de mulheres que estão hoje sob a tutela do Estado, no sistema prisional brasileiro. Mulheres que, lembra Kelly, estão ali “reduzidas a corpos em situação de cárcere, ao crime que cometeram”. Mesmo porque, lá, completa Gláucia, “a subjetividade é apagada”. “Quanto mais a pessoa se transformar em uma massa amorfa, melhor”.
Num recorte mais específico, as integrantes da Zula trabalharam com mulheres que hoje estão detidas por conta de crimes de grande repercussão (que muitas vezes não são aceitos pelas colegas de outras alas) e por medidas preventivas ou, num segundo momento, as com diploma de curso superior. O nome da penitenciária, elas se reservam o direito de não revelar.
As vivências, que ocorreram por um ano, às terças-feiras, traziam à tona a questão: pode a arte possibilitar momentos de liberdade em situação de cárcere? E, pouco a pouco, vieram reverberações, e em via dupla. “Como quando você joga uma pedrinha na água”, compara Kelly. Talita prossegue: “A gente se afetou, elas foram afetadas, o sistema se afetou, se modificou, mas não só. A cada dia que a gente saía de lá e compartilhava as vivências com outras pessoas, de fora, percebia o quanto isso também as afetava – e fomos percebendo a força, a potência da arte”.
A atriz arremata: “Daí veio a pergunta: por que não dividir, com a sociedade em geral, essa transformação tão gigantesca que a gente viveu? Em um momento no qual a arte é tão demonizada, atacada, por que não usar a potência do teatro para quebrar tabus, preconceitos, para humanizar?”.
E embora sejam mulheres falando de uma experiência com mulheres, Mariana Maioline salienta que seria limitador referir-se ao espetáculo como “feminino”, mas sim como uma montagem que fala de mulheres. E é nessa toada que acaba atingindo também os homens.
Trajetória. “Banho de Sol” estreou em março, na sala multiuso do CCBB-BH, então com 90 lugares (a capacidade do espaço é variável). Em função da demanda de público, iniciou outra temporada, mas na sala 1, com capacidade maior (264). Agora, chega a um teatro com mais de 600 assentos. Detalhe: na quarta-feira, dia do encontro com a reportagem, as meninas se alegravam com a notícia de que mais de 400 ingressos já tinham sido vendidos, o que sinaliza um teatro lotado amanhã.
Mais do que isso, o que tem motivado as atrizes é o fato de, com as apresentações, estarem alcançando mais pessoas por meio uma iniciativa cujo embrião foi o projeto de arte-educação “A arte como possibilidade de liberdade”, que começou lá atrás e que hoje atinge públicos que elas sequer imaginavam: profissionais ligados à área dos direitos humanos, advogados, agentes penitenciários e médicos, para citar alguns. Gente que também faz questão de participar das rodas de discussão inerentes a cada temporada ou mesmo realizadas a convite. Não bastasse, vieram chamamentos de administrações prisionais e escolas de formação de juízes, interessadas no tema.
“Nas primeiras apresentações, era o público de teatro indo nos assistir. Mas, a um certo ponto, percebemos que não conhecíamos mais as pessoas da plateia”, brinca Gláucia. Mulheres egressas do sistema penitenciário também são presenças frequentes, enquanto as presas “em descida” (que conquistam o direito a uma saída de sete dias) entram em contato com elas par alamentar o fato de, por força das regras, não poderem sair à noite, o que as impede, por ora, de assistir à montagem.
Saiba mais sobre as quatro atrizes
Mariana Maioline, 34, é belo-horizontina. Se considera uma artista independente, tendo já trabalhado com outros grupos, principalmente, dirigindo. Também fez produção cultural por muitos anos, trabalhando, em particular, a cultura afro-mineira. Hoje, é também assessora parlamentar da Gabinetona.
Kelly Crifer. Também belo-horizontina, 37 anos, ministra cursos livres de teatro no Galpão Cine Horto. Possui uma cena, “Ensaio para a Senhora Azul”, “que vira e mexe estou fazendo”. Vai participar da mostra “Diversa” do festival “Levante”, que pela primeira vez acontecerá aqui, na capital mineira. “Além disso, estou em cartaz com ‘No Coração do Mundo’ e gravando uma série do canal Brasil, com uma equipe de São Paulo, a ‘Hit Parade’, com direção do Marcelo Caetano”. “E também tive uma história importante com o grupo de teatro Invertido, onde fiquei oito anos”, acrescenta.
Talita Braga. Aos 38 anos, é de Divinópolis, mas mora aqui desde os sete. “Sou professora de teatro, dou aulas para alunas acima de 50 anos na Estácio de Sá. Sou sócia-funddora da Zula, eu e a Andrea Quaresma – a companhia foi criada em 2010. Além da peça, estou com o curta ‘Aurora’ que está circulando, e também vou fazer uma participação em ‘Hit Parade'”
Gláucia Vandeveld. Antes de tudo, uma curiosidade: o sobrenome dela é de origem belga. Tem 59 anos, “quase 60”, brinca. Nasceu no interior de SP, mas está em BH há 30 anos. “Por isso, me considero uma legítima mineira”. É professora no CIne Horto há cerca de 20 anos. Trabalhou com o Espanca! por dez anos, além de ter atuado no coletivo Paisagens Poéticas, tendo sido inclusive dirigiad por Mariana Maioline. Além de “Banho de Sol”, participou de um curta-metragem, que ainda vai estrear, “Angela” “E que fiz com a Teuda Bara, a Teudinha. Ah, e também estou na série do Marcelo Caetano”.
Ficha Técnica:
Realização: Zula Cia. de Teatro;
Direção: Mariana Maioline e Talita Braga;
Dramaturgia: Talita Braga;
Criação e atuação: Gláucia Vandeveld, Kelly Crifer, Mariana Maioline e Talita Braga;
Consultoria dramatúrgica: Vinícius Souza;
Preparação vocal: Ana Hadad;
Iluminação: Cristiano Araújo;
Trilha sonora e vídeos: André Veloso;
Direção de arte (cenário e figurino): Alexandre Tavera;
Designer: Philippe Albuquerque;
Produção executiva: Andréia Quaresma;
Diário de criação: Clara Garavelho.
Fonte: Zula Compainha de teatro