Seja em aulas remotas ou no dia a dia de uma biblioteca, atuação conjunta garante diversidade de olhares e amplia meios para acompanhar a aprendizagem. Novos cursos buscam trazer esse olhar
Se, para você, a palavra biblioteca é sinônimo de estantes enormes, carregadas com os mais diversos livros, e permeada por sinais de “não faça barulho”, está na hora de rever seus conceitos. Que tal pensar nesses lugares como centros de recursos, com mesas equipadas com computadores, laboratórios de pesquisa e espaços dedicados à construção conjunta do conhecimento? Parece impossível? Isso porque os espaços equipados são apenas parte da equação, que também é composta por profissionais formados e com o conhecimento necessário para guiar professores e alunos nessa nova experiência de biblioteca.
Os bibliotecários, profissionais especialistas em gerenciar informação e conhecimento, estão passando por uma verdadeira mudança do exercício da profissão. Agora, mais do que nunca, eles precisam ampliar essa curadoria que já realizam e incluir em seu trabalho a compreensão, entendimento e conhecimento de ferramentas digitais, para que sua atuação seja possível em um mundo onde o digital está sempre presente.
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“Eu diria que muitos bibliotecários ainda estão ‘fossilizados’ em sua zona de conforto, no formato antigo de bibliotecas. É verdade que, no contexto brasileiro de bibliotecas públicas e escolares, há muita limitação ou, às vezes, até mesmo inexistência de recursos tecnológicos. Mas hoje, quando grande parte dos alunos têm um ‘smartphone’ na mão, a falta de recursos na biblioteca não pode mais ser usada como justificativa”, afirma Soraya Lacerda, facilitadora do EducaMídia e coordenadora do Makerspace na Casa Thomas Jefferson, em Brasília (DF).
Para Soraya, a mudança do modelo mental que precisa acontecer nesses profissionais é grande, mas encará-la como possibilidade de trazerem elementos diferentes, inovadores, inusitados e relevantes para professores, alunos e demais frequentadores desses espaços pode ser uma forma de tornar o processo mais suave. A especialista já coloca essa visão em prática na espaço educacional Casa Thomas Jefferson, juntamente com Wander Martins Filho, bibliotecário coordenador e educador maker na Casa e facilitador do EducaMídia.
Segundo ele, no contexto de sociedade da informação hiperconectada, um bibliotecário midiático precisa não apenas ter ciência sobre a quantidade e variedade de fontes e suportes de informação que existem, mas ter a fluência necessária para navegar por essas múltiplas plataformas, seja no meio tradicional, o livro, ou no ambiente digital. “O bibliotecário precisa estar alfabetizado em relação à informação, ou seja, ter esse letramento, senso crítico e fluência digital. Ele deve ser uma pessoa conectada, capaz de construir conteúdos, de participar do que está acontecendo no mundo e de entender como intervir para contribuir com a produção e com curadoria de informação.”
O conhecimento digital enquanto letramento
Mas, afinal, o que significa ter essa fluência no meio digital e esse letramento que Soraya e Wander mencionam? A compreensão fica mais fácil ao levar em consideração que bibliotecários podem atuar em um verdadeiro leque de posições: em escolas, bibliotecas públicas ou em instituições que demandam informações especializadas.
“Na biblioteca escolar, ele pode fazer a curadoria para formação de professores ou contribuir para educação midiática e fluência digital dos alunos, entendendo e criando ambientes digitais seguros, mecanismos e técnicas de busca. Em uma biblioteca pública, há pessoas que precisam das informações mais diversas, então ele deve saber diferenciar dados relevantes sobre saúde para pessoas da terceira idade, por exemplo, ou de classificados para quem procura emprego, ou sobre direitos trabalhistas. Existe uma diversidade de serviços que esse bibliotecário pode oferecer, mas ele precisa ter fluência, repertório, flexibilidade e capacidade de navegar e fazer curadoria, para que consiga contribuir de forma significativa”, explica o coordenador.
Nesse conjunto de habilidades, além do conhecimento sobre diversos temas, o bibliotecário midiático também deve ter uma fluência digital, ou seja, familiaridade suficiente para descobrir novas ferramentas digitais e capacidade de se adaptar às novidades, considerando que a curva de inovação tecnológica está cada vez menor, com o lançamento de novos equipamentos e tecnologias a cada ano.
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Bibliotecários e professores: trabalho conjunto
Soraya usa a experiência da Casa Thomas Jefferson para exemplificar a potência do trabalho conjunto entre esse “novo” bibliotecário e o corpo docente nas escolas. Na Casa, o Centro de Recursos, como é chamada a biblioteca, é visto como uma extensão da sala de aula, frequentado diariamente por professores que procuram ajuda dos bibliotecários para pensar em formas mais dinâmicas e ativas de ensinar conteúdos, seja usando os recursos disponíveis na biblioteca ou os próprios celulares dos estudantes. “Nessa relação, enxergamos o bibliotecário como um facilitador, que dá ideias, leva soluções, ajuda o professor a desenhar suas atividades e apresenta recursos”, comenta a coordenadora.
Essa parceria também pode ser ampliada para o momento posterior, de avaliação e registro da aprendizagem. “O bibliotecário pode apresentar ideias de como os resultados e produtos finais das atividades de sala de aula ficam melhor visíveis. Nós trabalhamos com o aprendizado centrado no fazer e temos muito forte a questão de tornar o aprendizado do aluno visível para o mundo real, que é uma possibilidade de o professor trabalhar melhor a motivação e significação daquele aprendizado para o próprio estudante, para os pais, para a comunidade e para outros colegas professores.”
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Importância da formação adequada
Apesar de estarem muito familiarizados com esse conceito e atuação de bibliotecário contemporâneo e midiático, Soraya e Wander reconhecem que não se trata de algo intuitivo. Ela conta que, nas conversas em universidades para as quais são convidados, a dupla nota uma mistura de estranheza e encantamento dos estudantes universitários de cursos como biblioteconomia, por exemplo, diante de suas atuações profissionais, como se isso fosse algo muito distante da profissão para a qual estão sendo formados.
Inspirada nessas conversas, Soraya começou a montar um curso para melhorar a formação acadêmica desses profissionais e trazer um olhar mais aberto ao novo contexto. A ideia foi lapidada durante um curso na Universidade de Rhode Island, nos Estados Unidos, do qual Soraya participou.
A proposta divide-se em quatro blocos: promoção e defesa da equidade informacional, para preparar o bibliotecário a atuar em qualquer contexto com mais ou menos recursos; coleta e avaliação da informação nos novos ambientes, combinado ao trabalho já realizado no mundo físico; curadoria de conteúdo a partir de diversas ferramentas midiáticas e digitais e, por fim, o módulo criar para aprender reforça o uso prático das ferramentas e conhecimentos adquiridos anteriormente.
A ideia é que esses conteúdos formem uma disciplina optativa para o curso de biblioteconomia, da Faculdade de Ciência da Informação da UnB (Universidade de Brasília), em 2021.
O que pode ser feito agora?
Segundo Soraya, escolas que desejam mudar suas bibliotecas devem envolver toda a comunidade que utiliza o espaço (bibliotecários, professores, alunos e demais pessoas) para ouvir seus desejos, demandas e percepções. Para a coordenadora, o movimento facilita que as pessoas se reconheçam no espaço e façam melhor uso do mesmo.
No contexto da pandemia, é preciso considerar o que pode ser feito à distância. Confira algumas considerações e dicas para bibliotecários estarem ao lado de professores também durante aulas online:
– Montar painéis com recurso pedagógicos e culturais que professores podem utilizar;
– Mapear ferramentas digitais e gratuitas para facilitar o aprendizado online;
– Aprender a usar ferramentas para poder ensinar aos professores;
– Montar um serviço de disseminação para famílias e comunidade escolar;
– Direcionar a curadoria a nichos específicos: pesquisar, sugerir e indicar como famílias podem promover atividades às crianças fora das telas;
– Fazer curadoria de recursos digitais para que professores possam trabalhar uma camada de educação midiática em suas aulas e em qualquer tipo de disciplina.
Além disso, interessados no tema e, principalmente, bibliotecários e estudantes da área, podem participar do curso “Educação Midiática para Bibliotecários: conceitos e práticas”, que será realizado de forma online e gratuita nos dias 8, 15, 22 e 29 de setembro (inscreva-se até 31 de agosto). A iniciativa é do EducaMídia, em parceria com a Casa Thomas Jefferson e a Embaixada Americana, dentro do programa FuturED.
Para Mariana Ochs, coordenadora do programa EducaMídia, com o novo papel da biblioteca – que deixou de ser um repositório fechado de conteúdo para ser um portal de acesso ao conhecimento em diversas formas –, é importante reconhecer que o bibliotecário, enquanto profissional da informação, pode estar no centro das discussões sobre como identificar e encontrar uma fonte confiável, quais ambientes podem ser usados para fazer curadoria e como publicar as descobertas.
A reconfiguração do espaço da biblioteca para se transformar em um espaço de descoberta, investigação, exploração e criação, a questão da equidade da informação – que extrapola o acesso a equipamentos e a internet, mas envolve também possuir as habilidades necessárias para fazer uso adequado, construtivo e fortalecedor das ferramentas no mundo digital –, e a multiplicidade de papéis que o bibliotecário pode desempenhar são alguns temas que serão abordados na formação.
Saiba mais
Soraya, Wander e Mariana participaram de uma transmissão, realizada pelo EducaMídia, que debate o tema das bibliotecas e o novo papel dos profissionais que trabalham nesses espaços. Confira neste link.
Bibliotecário midiático apoia professor a navegar por plataformas e fontes de informação