Sinopse: Advogado do diabo
Kevin Lomax (Keanu Reeves), advogado de uma pequena cidade da Flórida que nunca perdeu um caso, contratado John Milton (Al Pacino), dono da maior firma de advocacia de Nova York. Kevin recebe um alto salário e várias mordomias, apesar da desaprovação de Alice Lomax (Judith Ivey), sua mãe e uma fervorosa religiosa, que compara Nova York a Babilônia. No início tudo parece correr bem, mas logo Mary Ann (Charlize Theron), a esposa do advogado, sente saudades de sua antiga casa e começa a testemunhar aparições demoníacas. No entanto, Kevin está empenhado em defender um cliente acusado de triplo assassinato e cada vez dá menos atenção sua mulher, enquanto que seu misterioso chefe parece sempre saber como contornar cada problema e tudo que perturba o jovem advogado.
Eu só monto o palco, vocês puxam as próprias cordinhas”, é o que afirma o “Diabo” em seu desempenho cinematográfico nos anos 1990. Lidar com tal figura não é uma tarefa fácil, pelo menos para o personagem de Keanu Reeves neste “clássico moderno”. Indesejável desde o Gênesis, apresentado como uma serpente enganadora, o Diabo já provocou Jó, perturbou uma boa quantidade de possessos nos “evangelhos” bíblicos, tentou Jesus no deserto, apresentou-se como um terrível dragão no Apocalipse e assumiu a postura de bode expiatório em Levítico, trecho das “sagradas escrituras”.
Dirigido por Taylor Hackford, tendo como guia o roteiro escrito por Jonathan Lemki e Tony Gilroy, em 1997, o “tinhoso” foi representado por John Milton, personagem de Al Pacino em Advogado do Diabo, numa referência óbvia, mas bastante pertinente, ao autor de Paraíso Perdido. Kevin Lomax (Keanu Reeves) é a vítima da vez. Ele é um advogado que se gaba por nunca ter perdido um caso em sua vida profissional. Por conta do ótimo desempenho, recebe uma proposta para trabalhar na poderosa firma Milton, Chadwick e Waters.
Enquanto a sua esposa Ann (Charlize Theron) fica animada, a sua mãe (Judith Ivey) o alerta para não se perder diante das artimanhas malignas de uma vida em Nova Iorque. Feliz inicialmente, a vida do advogado começa a ganhar novos rumos cada vez que a sua relação com John Milton ganha maior profundidade. A voluntariosa e agradável esposa, inicialmente satisfeita com o sucesso do marido, começa a ter visões diabolicamente desagradáveis.
Ele defende o caso de Alexander Culler (Craig T. Nelson), um milionário acusado de assassinar a esposa, o enteado e uma das empregadas da casa. É quando o advogado percebe que seu chefe não lhe contratou apenas por seu desempenho profissional. Milton monta o cenário e aguarda os personagens desenvolverem a cena, diante de seus desejos, vontades, ânsias. Será possível resistir ao mundo de possibilidades e ofertas propostas? É o que veremos ao longo dos 128 minutos de produção.
Visualmente, Advogado do Diabo é um filme que consegue acentuar muito bem o clima diabólico proposta pelo roteiro. O design de produção de Bruno Rabeo consegue transformar a casa de John Milton numa obra de arte em movimento, como se cada quadro fosse uma pintura ou fotografia pictórica. A maquiagem de Rick Baker não apela para a cultura do excesso, tampouco os efeitos especiais, numa busca por equilíbrio narrativo, sem tornar tudo um manancial de cenas visualmente carregadas, mas dramaturgicamente estéreis. No que tange aos aspectos sonoros, o filme consegue êxito, graças ao eficiente James Newton na condução musical.
Diante do exposto, Advogado do Diabo é um filme bem sucedido. O Diabo, na figura de John Milton, é um mestre da retórica, ótimo argumentador, conectado a um roteiro sustentado por debates acerca de questões como ética, livre-arbítrio e justiça. Ele apresenta para o advogado Lomax um feixe de escolhas que pode determinar para sempre o destino da sua vida. Será que é “melhor reinar no inferno que servir no céu”?
Esta é uma das principais questões colocadas por Milton para o jovem advogado, numa espécie de alegoria para o embate maniqueísta entre o bem e o mal, luta constante que engendra as relações e reflexões filosóficas em nossa sociedade mergulhada nos dogmas do cristianismo. Na edição de dezembro de 2010 da revista NURES (Núcleo de Estudos Religião e Sociedade), o pesquisador Marcos Renato Holtz de Almeida apresentou um interessante estudo intitulado O Diabo e a Indústria Cultural e alegou que o imaginário existente sobre o Diabo passou a ser utilizado pela indústria do entretenimento e pela sociedade de consumo como mercadoria capaz de satisfazer os gostos das sociedades e culturas contemporâneas.
Alegoria para questões que gravitam em torno de discussões sobre materialismo e outros elementos típicos dos desejos humanos, o Diabo é tido um personagem sedutor que por meio da oferta dos prazeres mundanos, permite a reflexão sobre os mandamentos da moral e dos costumes, historicamente impostos pela Igreja. Uma das regras principais é a negação do prazer, pois o que se acreditava era que este nos leva ao caminho da perdição, além de nos afastar do caminho rumo ao divino.
O prazer, então, seria algo de ordem diabólica. O luxo, o bem estar e o sucesso, em Advogado do Diabo, estão desconectados com a vida de expiação e simplicidade, ligadas ao jejum e ao ascetismo cristão, o que levará Lomax a seguir os seus instintos éticos e fazer escolhas semelhantes ao caminho da personagem de Anne Hathaway em O Diabo Veste Prada, afinal, respondendo ao questionamento de Milton citado anteriormente, a vida mais simples e digna pode ser menos exuberante, mas oferta maior segurança que o ofuscante reino do inferno.
Advogado do Diabo — (The Devil’s Advocate) Estados Unidos, 1997.
Direção: Taylor Hackford,
Roteiro: Jonathan Lemki, Tony Gilroy
Elenco: Al Pacino, Charlize Theron, Connie Nielsen, Craig T. Nelson, Heather Matarazzo, Keanu Reeves
Duração: 108 min.