Semana da Mulher: Correio Feminino

Correio femininoEm Correio Feminino, mais do que a escritora consagrada, é a “jornalista feminina” que se apresenta ao leitor. A Clarice Lispector que aceita o convite do cronista Rubem Braga e se aventura na elaboração de páginas dedicadas às mulheres no periódico Comício, criado em 1952, protegida sob o pseudônimo de Tereza Quadros. A Clarice que, no início dos anos 60, dá conselhos de beleza e dicas de como manter uma personalidade cativante para conquistar o bem-amado, dessa vez com o pseudônimo de Helen Palmer, nas páginas do Correio da Manhã. Ou ainda a ghost writer de Ilka Soares na coluna “Só para mulheres”, publicada no Diário da Noite. Em todas elas, a escritora vasculha o universo da mulher, em conselhos e reflexões. Correio feminino, que reproduz através de fac-símiles os textos publicados na imprensa em sua versão original, é, acima de tudo, uma deliciosa viagem no tempo. Em tom de uma conversa entre amigas, Clarice Lispector fala sobre os afazeres da casa, as dificuldades da mulher emancipada para conciliar a dupla jornada de trabalho, os cuidados com a beleza e os segredos da elegância. Em muitos textos, é possível identificar a gênese do que viria a ser um conto da consagrada escritora. É o caso da coluna intitulada “Meio cômico, mas eficaz”, que traz, além de uma receita para matar baratas, os ingredientes do que seria o conto “A Quinta história”. (Amazon)

Comentário

“Correio Feminino” é uma compilação – organizada pela doutora em literatura brasileira Aparecida Maria Nunes – de artigos de jornal com temática feminina, escritos majoritariamente entre os anos 50 e 60.  Clarice, aliás, “Helen Palmer”, um de seus pseudônimos, escreve sobre autoajuda. Dentre eles, dá conselhos de beleza, mostra como manter acesa a chama do seu casamento e, a mais importante de todas, a conquista do amor próprio. A pergunta que me faço: é realmente possível se amar com todas essas condições impostas? Buscar o autoconhecimento em meio a tantos ruídos por todos os lados?

Como feminista, a minha primeira impressão do livro não foi boa. Há trechos que sugerem, incansavelmente, a subordinação feminina em relação ao homem: “Assim sendo, a preferência masculina deve ser levada em consideração sempre que nos vestirmos e enfeitarmos” p.17.

Em um primeiro momento, os artigos conversam entre si. Uma conversa sobre como ser bonita visando agradar o seu homem, dicas sobre como segurar o cigarro sem parecer uma figura masculinizada, entre outras.

Correio Feminino

Porém, conforme a leitura avançou, percebi alguns artigos que se destoaram dos demais. Clarice (ou Helen Palmer?) cita até Simone de Beauvoir em um deles. Em outro, critica as mulheres que, em vez de amar, estão apenas interessadas em “arranjar marido”. Outros, destoando ainda mais, não apresentam pretensão alguma. São dicas sobre como arrumar a casa, o cabelo, o guarda-roupas, etc: “Se você vai oferecer um coquetel em sua casa, comece afastando a mesa para um canto da sala e sobre ela coloque os salgadinhos ou doces. A toalha deve ser de preferência toda branca(…)”. pg 68

Essa não é a Clarice que você conhece. E esse não será, muito provavelmente, o seu livro preferido. Mas através dele, podemos traçar paralelos com a nossa época. As revistas femininas atuais não estão muito longe de “Correio Feminino”. Elas não são de todo ruim, pois apresentam matérias muitas vezes utilíssimas para alguma coisa que estávamos à procura. Afinal, qual o problema em querer saber da última novidade capilar? Isso nos torna piores de alguma forma? Com certeza não.

É a variedade que se torna necessária. Queremos sim, dicas capilares. Queremos depoimentos reais, queremos dicas de relacionamento. Mas queremos, sobretudo, saber que não iremos encontrar, nessa mesma revista, uma matéria sobre os comportamentos que os homens condenam em nós. Apenas porque não é do nosso interesse (ou não deveria ser).

Correio Feminino

Uma breve reflexão sobre “Correio Feminino”, de Clarice Lispector