A despretensiosa timeline abaixo tenta evidenciar alguns dos principais marcos da advocacia nacional, de modo que, a partir dela, possamos refletir um pouco sobre quais os sinais que o presente está nos dando acerca do futuro.
Percebe-se que desde 2006 trabalha-se no processo eletrônico como a grande promessa para evolução do setor jurídico. Contudo, o número crescente de processos (quase 80 milhões) aponta que, a despeito da importância e ganhos que a utilização da internet representou, e representa, não se logrou ainda atender aos anseios da sociedade e dos próprios profissionais da área, a saber: redução de processos e maior celeridade na solução de cada caso.
A nosso ver, para se avançar no correto diagnóstico desse cenário, duas perguntas necessitam ser enfrentadas: i) a primeira, qual o processo de análise que deve preceder a aplicação da tecnologia; e, ii) a segunda, quais as novas habilidades do advogado para encarar o formato de sociedade vigente, muito mais digital e complexa.
Para encontrar o caminho das respectivas respostas, inicialmente entendemos ser importante compreender individualmente as duas esferas que cercam os citados questionamentos: a tecnológica e a pessoal, ligada ao novo perfil do advogado. Essas duas dimensões podem andar juntas, somar resultados, mas são independentes e, como tal, podem ser trabalhadas concomitantemente. Vejamos.
Para que a tecnologia alcance a sua real capacidade de gerar valor, o primeiro passo parece ser identificar o verdadeiro interesse do cliente e a causa-raiz que impede atingir esse objetivo. A eficácia jurisdicional está perdendo espaço para a complexidade do próprio sistema, em razão de uma visão menos a partir do cliente, jurisdicionado, e mais a partir do profissional que atua no setor. Temos três exemplos para ilustrar o que foi feito e o que poderia ser feito a partir da análise.
No campo público, lançamos mão do então promissor Código de Processo Civil, vigente desde 2016, sem realmente reduzir ou otimizar as etapas do processo. Focamos em instrumentos processuais mirabolantes e sofisticados, mas que não cuidaram de efetivamente reduzir o tempo de duração do processo ou a quantidade destes.
No campo privado, temos os grandes departamentos jurídicos e escritórios de advocacia, onde a coisa também não é tão diferente, embora inegavelmente mais avançados no quesito gestão. Ainda se perde muito tempo na confecção e leitura de relatórios, análise de propostas de acordo e de recursos, emissão de cartas de circularização para auditorias, elaboração de contratos longos e de pouca compreensão pelas partes etc. E a aplicação da tecnologia, normalmente, é usada para melhoraria dos processos internos da unidade jurídica.
Há imensa oportunidade de integração entre as informações jurídicas e as demais áreas da organização, incluindo o próprio Board, com a aplicação da Business Intelligence, por exemplo. As informações da área jurídica seriam usadas em tempo real para melhoria da empresa e para tomada de decisões.
Como se vê, a automação ainda está muito associada à produtividade e à redução dos custos internos de cada uma dessas organizações, seja ela pública ou privada (visão para dentro), e não para o cliente (visão para fora e para dentro). O sempre claro defeito de tratar os efeitos e não a causa.
E, para coroar com um exemplo positivo, citemos os aplicativos de transporte (Uber, 99, In Drive, entre outros). Note que, na prática, foi criado um contrato bastante efetivo, nem por isso complexo ou burocrático.
Além disso, a automação de processos ineficientes, segundo especialistas em design, tem a capacidade de potencializar problemas, ao invés de resolvê-los. Primeiro, é preciso um (re)desenho do processo na busca de desburocratização e, claro, segurança, para depois aplicar soluções tecnológicas. Quando isso é feito dessa forma, os ganhos são exponenciais, aumentando as chances do processo contínuo de melhoria transbordar do conceito de inovação incremental para o conceito de inovação disruptiva.
Sendo assim, no campo da tecnologia, há que se lembrar, primeiro, das causas e dos valores que o cliente almeja, sob pena dos avanços serem parcos, tímidos e até mesmo alavancarem eventuais ineficiências.
Passando para a dimensão que envolve o perfil do advogado, as novas competências estão imanentes associadas ao campo e momento em que elas podem ser usadas. Nesse sentido, a modelagem profissional de antes, formal, literal e hierárquica, não mais faz sentido no atual mundo, que vem sendo marcado pela expressão VUCA: volatility, uncertainty, complexity and ambiguity.
O modus operandi pelo qual o clássico profissional lastreava o seu perfil, mormente valendo-se de interpretações já postas e preferindo a solução litigiosa, não mais faz sentido. A nosso ver, as novas competências para encarar esse novo universo precisam se desenvolver a partir das seguintes inteligências: interpessoal, intrapessoal, criatividade, oratória, escrita e lógica. O advogado abandona a função de gestor para a de executivo, vestindo uma nova roupagem, menos presa à liturgia e mais focada na resolução de problemas, de forma estrutural e com visão 360 graus.
Por fim, quando trazemos à tona a necessidade de revisitar tanto a parte tecnológica como o perfil profissional, é desejando que essa missão seja cumprida pelos profissionais que atuam na área enquanto ainda há tempo. Se essa mudança não vier de dentro para fora, ou não a partir da causa, o universo jurídico encontrará a sua ruptura a fórceps, o que resultará em ganhos, mas também em algumas perdas, como outros mercados já nos ensinaram.
A partir dessa reflexão, comungamos da opinião de que para que o futuro seja moldado a partir de valores sustentáveis, a advocacia deve ser protagonista na revolução tão desejada do nosso sistema jurisdicional e do aperfeiçoamento profissional do advogado.