Uma crítica ao estudo esquematizado do Direito

Atualmente, vive-se no Direito uma crise axiológica [1], que demanda uma (re)leitura de alguns postulados estruturantes na seara acadêmica. Aqui, farei uma crítica, espero do ponto de vista construtivo, pois se assim não fosse optaria por não escrever o presente, acerca do estudo esquematizado do Direito, que apesar de ter uma finalidade (vejo unicamente de revisão) ocasiona grandes perdas na formação intelectual do jurista.

Certamente, o curso de bacharelado em Direito requer do aluno bastante leitura, visto que o Direito, entendo, é uma ciência argumentativa. É por isso, aliás, que muitos alunos não conseguem compreender os institutos jurídicos, pois procuram analisá-los a partir de postulados cartesianos reduzidos, muitas vezes, unicamente em cadernos (parece-me que daqui surgiu o direito esquematizado).

Desculpem-me a redução de complexidade, mas compreendo que a doutrina que deve ser utilizada pelo discente circunda a partir das seguintes possibilidades: i) tratados novos; ii) tratados antigos; iii) livros especializados e iv) periódicos nacionais (indexados pelo qualis periódicos) [2] e estrangeiros.

Os tratados novos, praticamente em extinção, são aqueles livros que o autor busca abordar todos os temas estudados numa área do Direito, por exemplo, tratado de direito penal, tratado de direito civil, tratado de direito administrativo etc. Cumpre destacar que pouco importa o termo “tratado”, que pode ser um “curso”, “manual”. O importante é versar seriamente sobre os temas abordados.

Já os tratados antigos, esses, em maior número, qualitativamente, são, particularmente, maravilhosos. Causa tanta estranheza a falta de tratadistas como os que tivemos no Brasil no século XX, que a Georg-August Universität, em Göttinguen (Alemanha), através do CEDPAL (Centro de Estudos de Direito Penal e Processual Penal Latino-americano) está a organizar um livro em homenagem a Aníbal Bruno, para resgatar a obra deste grande jurista do direito penal brasileiro [3]. Deve-se destacar que Aníbal Bruno não finalizou o seu “Direito Penal”, constituído por três volumes da Parte Geral e um volume, apenas, da parte especial, “Crimes contra a Pessoa”. Também, não poderíamos deixar de mencionar o “Tratado de Direito Privado” de Pontes de Miranda, em 60 volumes.

Por fim, reputo como importante para o bacharelando em Direito realizar pesquisas nos periódicos indexados pelo qualis da Área do Direito da Capes ou periódicos internacionais para realizarem estudos mais aprofundados acerca de temas do Direito.

Daí, o leitor pode me perguntar: e os livros jurídicos esquematizados, possuem alguma finalidade? Entendo que sim, caro leitor, para uma revisão. No entanto, acredito que se for realizado um fichamento das opções acima mencionadas, não haverá necessidade de estudo por livros esquematizados.

Mas, o insistente leitor irá indagar-me, provavelmente: é importante estudar por livros esquematizados para concursos públicos? E, aqui, repousa um problema, que não é exclusividade no Brasil. Decerto, se essa pergunta me fosse formulada há cinco anos, provavelmente eu responderia que o estudo para concursos públicos deve se dar a partir da leitura de tratados novos, atualizados. Entretanto, hoje, posso afirmar que no Brasil e na Europa a busca pela carreira pública, muitas vezes não por vocação, mas sim em busca da estabilidade financeira, faz com que muitos pretendentes a cargos públicos (no Brasil, são os denominados “concurseiros”) estudem por livros nos moldes, esquematizado, sinopse, “resumão”.

Tive a oportunidade de, nos últimos 5 anos, realizar pesquisas e ministrar palestras em alguns países europeus, em especial: Portugal, Itália e Alemanha. Para minha surpresa, ao visitar as livrarias desses países, encontrei diversos livros para concursos públicos (nos moldes esquematizados) e, pasmem, dificuldade em encontrar tratados de Direito ou livros em temas específicos. Apenas, achei os livros que procurava, bem como os periódicos especializados, nas bibliotecas das Universidades que visitei. Ainda, bem!

Entretanto, utilizar sinopses, “resumões” ou esquematizados para ensinar alunos, sem dúvidas, não cumpre a função social do Direito, visto que os conflitos que os juristas, via de regra, resolvem são extremamente complexos e correspondem a uma expectativa de direito de um terceiro (ser humano), que está longe de ser resolvido por um esquema.

Espero que compreendamos bem a responsabilidade que temos, como juristas, com a sociedade na qual estamos inseridos, para que possamos solucionar, da melhor forma, os conflitos que nos são apresentados. O resgate ético-social que tanto se proclama atualmente passa por nós mesmos. Conceber uma doutrina do bom comportamento passa por uma construção de postulados firmes. Sem dúvidas, o estudo não é uma tarefa fácil, principalmente o estudo jurídico. São horas e horas de reflexão para se compreender determinados institutos e sua relação com a sociedade.

Entristece-me, por exemplo, verificar nos Tribunais Superiores a citação de livros esquematizados nos acórdãos prolatados, o que, para mim, revela a simplificação na solução de uma demanda, que, certamente, não pode ser resolvida por esquemas.

Difícil, é nessa sociedade informatizada fazer com que se leia mais de 140 caracteres. Porém, quem disse que Direito é fácil? E que simples soluções são as melhores?

Finalizo aqui minha opinião, que não possui pretensão de verdade, mas apenas poderá servir para uma reflexão posterior, que o curso de Direito não termina. Por certo, formamo-nos e iniciamos uma carreira jurídica, mas enquanto estivermos atuando nas demandas jurídicas, faz-se necessário estudar bastante e nos aprimorarmos, pelo menos, no tocante à cultura jurídica. Conclamo aos que estão envolvidos no ensino jurídico no Brasil a resgatarmos nossos tratadistas e despertar em nossos alunos o prazer no estudo do Direito!

——————————————————————————————————————————————-

[1] Na verdade, este problema atinge à sociedade em geral. Segundo GOYARD-FABRE: “Nas sociedades “avançadas” que se declaram democráticas não existe mais consenso relativo aos ideais políticos, aos interesses sociais e aos valores éticos; no lugar do sistema de valores tradicionais, o jogo da competição se instalou nessas sociedades industrializadas ao máximo e, com esse jogo competitivo, se dá livre curso ao pluralismo, à irracionalidade, ao individualismo e até ao egoísmo. A obsessão com a produção e a eficácia econômica engendrou uma desintegração axiológica. A herança moral perdeu seu sentido.” (GOYARD-FABRE, Simone. O que é Democracia? Tradução Cláudia Berliner. São Paulo: Martins Fontes, 2003.)

[2] https://sucupira.capes.gov.br/sucupira/public/consultas/coleta/veiculoPublicacaoQualis/listaConsultaGeralPeriodicos.jsf

[3] http://cedpal.uni-goettingen.de/index.php/eventos/seminarios/362-sem-a-teoria-penal-de-anibal-bruno