Esta longa, imprevista e imprevisível pandemia traz inúmeros desafios e oportunidades. No ensino jurídico não é diferente. Professores, alunos e instituições de ensino em todo o mundo enfrentam este ano com muito destemor, mas com certa angústia. Afinal, estamos formando e aprimorando os profissionais que irão, juridicamente, representar seus clientes e defender organizações e instituições nos campos privado e público, não só neste momento tão atípico, mas principalmente no “novo normal” que em breve se firmará.
Vale lembrar, em primeiro lugar, que o ensino jurídico no Brasil já estava em discussão antes mesmo do início desta pandemia. Mudanças curriculares, melhor gestão do processo de ensino-aprendizagem, mais foco em medições do aprendizado, desenvolvimento de novas habilidades e competências, visão de contexto, mais experimentação (saber fazer), mais autonomia do aprendizado pelo aluno (é, de fato, o protagonista desse processo, do seu curso e de sua carreira) e expansão do universo da “sala de aula” eram já temas fartamente discutidos por especialistas. No entanto, sempre houve resistências de parte a parte, afinal a chamada “zona de conforto” invariavelmente vencia nos debates, nas tomadas de decisão e, em especial, na execução por professores e instituições de ensino.
Sejamos sinceros: não é nada trivial lecionar atualmente. Precisamos engajar os alunos sistematicamente, aliar pesquisa, prototipagem, testes e reflexões, concorrer com o mundo da tecnologia, nos manter continuamente atualizados, combinar teoria com prática, dar um tratamento personalizado ao aluno (algumas salas de aula têm dezenas de alunos com uma incrível diversidade de pensamentos e necessidades), além de aplicar adequadamente a chamada “Taxonomia de Bloom”, que trabalha níveis de cognição/aprendizagem, que devem estar amarrados com os objetivos da aula, da disciplina e do programa em que lecionamos.
Os economistas classificam a educação como um “bem posicional”, ou seja, haveria uma relação muito significativa entre a quantidade e qualidade consumida de “educação” e a chance de esse estudante galgar melhores postos de trabalho e salários no mercado. Trata-se de um investimento contínuo não só do Estado, mas da sociedade como um todo. Hoje não podemos nos dar ao “luxo” de ficar parados. Precisamos aprender e nos desenvolver continuamente, em razão dos enormes desafios que a atualidade nos apresenta.
Esta pandemia forçou a nos distanciarmos fisicamente dos alunos e das instituições de ensino, mas curiosamente nos aproximou de ambos. Essa paradoxal constatação nos faz refletir diuturnamente sobre como melhorar todos os desafios acima listados. Ela obriga a nos falarmos mais, a ouvirmos mais e a planejarmos mais. A adaptabilidade e a empatia com o outro também são habilidades que estamos, querendo ou não, desenvolvendo neste período. Fomos obrigados a migrar para o ambiente online, em uma nova fase do ensino jurídico.
Para relembrarmos, a primeira fase subsistiu aproximadamente até o começo deste século, na qual havia poucas opções para estudarmos em programas de graduação, pós-graduação e cursos de extensão. Eram poucas (em comparação com hoje) as boas instituições de ensino, buscávamos os “grandes nomes” do Direito para aprender (argumentos de autoridade eram incontestáveis), a diplomação não era o principal objetivo do aluno, cursar um LL.M. no exterior era o “grande diferencial”, o foco era somente no conteúdo jurídico, ter uma pós-graduação (lato ou stricto sensu) era suficiente, alunos tinham uma atitude passiva (aulas eram verdadeiras palestras), networking era um ganho adicional nessa experiência e estudar era, de fato, um investimento pessoal, totalmente de forma presencial.
A segunda fase do ensino jurídico em nosso país durou até o início desta pandemia. Ela foi caracterizada pelo aumento desenfreado das instituições de ensino pelo país, pelo aumento da competitividade do mercado jurídico como um todo, o desenvolvimento tímido da multi e interdisciplinaridade em algumas escolas, a busca por melhor empregabilidade nas boas escolas (o investimento passou a ser bem mais profissional do que pessoal), a procura maior por diplomação e em maior número de cursos (há alunos que têm 5, 6, 7 pós-graduações em seu currículo), docentes começaram a se qualificar para lecionar (maioria não tinha qualquer formação didática) e o uso das redes sociais se intensificou. A própria profissão jurídica aumentou seu espectro, por exemplo, com a melhor qualificação de gestores e diretores jurídicos, ampliando as opções de carreira do bacharel.
Esta pandemia, por sua vez, nos obrigou a uma nova evolução. O relacionamento com os alunos se torna mais intenso, personalizado e até motivacional/inspiracional. Estamos vendo uma clara divisão entre programas que formam e outros que só informam, cada qual cumprindo seu papel. Há uma diferenciação natural de qualidade surgindo entre as instituições de ensino, mais opções de estudo (ex. nano diplomas com foco e duração diferenciados), cursos à distância e semipresenciais surgindo com uma inesperada qualidade, professores se profissionalizando para esta nova era com mais afinco, uma inter e multidisciplinaridade “real” sendo demandada (mundo real é, de fato, multifacetado, e o profissional do Direito precisa entender o que está acontecendo para poder bem atuar), mais opções de carreira surgindo (ex. comitês de crise precisam ser permanentes e contemplar uma visão jurídica), sociedade, Estado e academia estão dialogando mais, e uma visão mais humanista do Direito surge para lidarmos com os desafios cada vez mais complexos que se apresentam.
Os desafios e oportunidades só aumentam neste atípico ano de 2020. As instituições de ensino estão preocupadas na adequada adaptação e qualificação de seus colaboradores (acadêmicos ou não), sua estrutura de custos, seu modelo de negócios e como conduzir o seu processo de inovação. Professores, por sua vez, precisam se profissionalizar mais ainda, se engajar-se de alma e coração nesse processo evolutivo, com mais foco no aluno (ex. mais e melhores feedbacks) e menos em sua “zona de conforto”. Já os alunos precisam ser menos “consumidores” e mais protagonistas em seu processo de aprendizado, planejando mais sua carreira e sua vida profissional. Todos temos que ter uma mente empreendedora neste momento e mirar as oportunidades que se apresentam. Os participantes desse mercado não podem temer o “novo”, pois o mundo está mudando e precisamos nos adaptar e aproveitar ao máximo as novas oportunidades.